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Estou dormente. Como um rasgão na pele que sangra, arde, lateja e por fim existe mas já nem se sente. Cansado de doer. Rasgão ainda. Mas dormente. Porque doer cansa.
Mais um tic no ponteiro. E nada. Outro tic (devia ser um tac, mas não me apetece). E ainda nada. Tic. Nada. Tic. Nada. Tic. Nada. Um tac, concedo. Mas nada também. Não é solidão, ainda que seja. Não é desatino, ainda que pareça. Não é angústia, ainda que pudesse ser em absoluto. Ou em sinónimo. É apenas assim. Solidão, desatino, angústia.
Sonhei também que o meu relógio andava ao contrário*. Porque me confunde, o tempo. Rói-me. Irrita-me. Pesa-me. Amanhã talvez menos, quem sabe. Ou se seguisses no sentido contrário, só um instante (e o tempo de novo, mesmo quando me dirijo ao teu inverso). No sentido contrário e eu a puxar algumas pontas. Soltas. Ou presas em demasia. A resolver-te, a resolver-me. E tudo melhor agora se talvez ao contrário, só um instante.
Sei agora, mais do que nunca (porque nunca soube?), que é isto. E só. Eu a ouvir-me, em repeat e com eco. Eu a reunir-me e a desfragmentar-me, a desfragmentar-me e a reunir-me. Eu a desejar que seja de outra forma. Que a campainha toque (estará avariada?). Que não estejas tão longe. Nem tu. Que seja 'say you, say me' como na música pirosa. Mas é 'say me' apenas. Porque se o meu mundo desaba só eu o vejo cair e sou eu que lhe atiro cimento aos alicerces, mais uma vez. E se tic, nada, tic, nada, tic, nada, só eu a sentir assim. Aqui mesmo, como agora, sozinha.
*como em O Estranho Caso de Benjamin Button, filme que me deixou a garganta a arder, que é a minha forma obtusa de chorar